domingo, 6 de junho de 2010

Na província do Cabo Ocidental, entusiasmo pelo futebol é menor




O Globo - 05-06-2010

STELLENBOSCH - Quinze anos após Nelson Mandela ter usado a vitória da África do Sul no rúgbi como ferramenta para promover a reconciliação da maioria negra com os brancos, por meio do esporte, agora, é a minoria que começa a se engajar no megaevento número 1 no coração de 79% da raça dominante na África do Sul. Na província do Cabo Ocidental, a única das nove governada pela Aliança Democrática (AD), partido de oposição dos brancos, o entusiasmo pelo Mundial é menor, mas já desperta interesse entre os que têm rúgbi e críquete como esportes prediletos.

Até mesmo na pacata Stellenbosch, famosa por seus vinhos e suas universidades, o futebol virou tema das conversas em africâner, o idioma das ruas, das famílias e do trabalho.

- Em Joburg, as pessoas passam mais vibração, mas, na Cidade do Cabo, elas são mais calmas. Não têm o ritmo frenético deles. Na hora certa, a vibração vai aparecer - explica Rijk Melck, o Ronnie, trocando o africâner pelo inglês durante a entrevista.

Diretor da Fazenda Muratie, com 150 anos de tradição na produção de vinhos na região, Ronnie não é fã de futebol, mas já se contagiou pelo clima da Copa. Acostumado a acompanhar os jogos do Stormers - vice-campeão do Super 14 de Rúgbi --, o vinicultor juntou um grupo de 16 amigos brancos e comprou ingressos para França x Uruguai, no dia 11, o primeiro jogo do Mundial na Cidade do Cabo, distante apenas 43 quilômetros.

- Não poderia ficar fora disso. Gostaria muito de ver um jogo dos Bafana aqui, mas eles não atuarão na Cidade do Cabo na primeira fase. Espero que avancem - diz, em meio aos barris de vinho e brindando com uma taça de Pinot Noir, safra 2008, produzido na Muratie.

Localizada na zona rural de Stellenbosch, a Fazenda Muratie vive o clima de Copa. Ronnie deu aos funcionários gorros com as cores e os nomes de países participantes do evento. Mais uma proteção durante o inverno para quem trabalha nos campos, levando o ambiente do Mundial para uma área onde o silêncio e o verde são marcas registradas.

Inglês é o terceiro idioma

Todos os empregados são coloured (mulatos), descendentes de uniões entre brancos e negros. Conversam entre eles e com o patrão em africâner. Às vezes, precisam procurar as palavras em inglês. Principalmente, quando encontram visitantes. O inglês é o terceiro idioma mais falado na província do Cabo Ocidental, atrás do africâner e do xhosa.

- Seria emocionante ir a um jogo da seleção brasileira, mas o ingresso é caro. Vamos ver a festa pela TV - resigna-se Florina Oliphant, de 25 anos, usando um gorro do Brasil.

No sexto mês de gravidez de uma menina, que formará o casal com o menino de 5 anos, Florina nasceu e cresceu na Muratie, onde continua trabalhando nas parreiras, com a esperança de que a Copa traga um legado de melhorias para o país. Não é a única trabalhadora a pensar assim.

- Tanto investimento precisa servir para algo. É mais esperança para nossas crianças, no futuro. A África do Sul precisa muito de saúde e educação - diz Kathy Fredricks, usando seu gorro da África do Sul, ao lado do marido, Hennie, que adotou a Alemanha como segunda seleção preferida.

Na Muratie, diferentemente da enorme maioria das fazendas do país, os 18 funcionários do quadro fixo têm assistência médica, e o patrão ainda contribui com 85% de um sistema de previdência para os empregados. Também há auxílio de 15% para a educação. Durante a Copa, o grupo vai se reunir para assistir pela TV aos jogos dos Bafana. E torcer para que o megaevento inspire o time a mostrar ao mundo um país menos desigual, construindo um futuro melhor.

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