sábado, 12 de junho de 2010

65% dos consumidores de vinho no Brasil são mulheres. Segundo a Federação Brasileira de Confrarias, já existem 40 grupos femininos no Brasil




Alexandra Corvo, sommelier e dona da escola de vinhos Ciclo das Vinhas, recorda-se com doçura de quando sua avó, hoje com 100 anos, lhe servia um vinho do Porto que ficava escondido em seu guarda-roupa. A cena - que, por muito tempo, acreditou ser fruto da sua imaginação - pode ter pesado para a escolha da profissão. Virou sommelier, embora quisesse ser enóloga, pois admira a viticultura. "Gosto desse trabalho do homem com a natureza. Mas sou muito urbana e seria difícil viver no campo", diz, justificando a escolha final.

Começou a trabalhar em renomados restaurantes, viajou para fora do País, mas achava difícil atender muita gente. E sentiu que, por força do mercado, começou a perder autonomia, descumprindo sua tarefa de verdadeira sommelier. "Queria independência", explica. De repente, tornou-se colunista de revista e logo depois de rádio (tem programa diário na Band News FM). Agora, estreia como colunista da revista da Livraria Cultura. "Vamos colocar o vinho em um patamar mais legal ainda, o cultural."

Assim, descobriu um novo nicho na sua profissão. As aulas, que começaram como uma brincadeira na casa das amigas, estenderam-se para empresas. Vieram as palestras e, hoje, ela tem sua própria escola. "Tudo fluiu, apesar das dificuldades." Seus alunos são profissionais do ramo, como garçons, vendedores de importadoras e enófilos.

O único problema é quando se depara com algum aluno, digamos, rebelde, para não dizer cheio de pompa, que não tem interesse em aprender um pouco da cultura do vinho. É que, no programa do curso, Alexandra inclui temas como viticultura e amadurecimento, mas tem gente que quer pular etapas e não tem lá muita paciência para os processos e a história do vinho. Já ouviu até xingamentos por causa disso. "Continuo estudando muito. Mesmo assim, não tenho a pretensão de achar que sei tudo." Lembra que muita gente se diz conhecedora, falando apenas termos clichês, tentando mostrar que entende do assunto.

Quando não está bebendo vinho, Alexandra pede uma caipirinha. E ai do garçom que lhe perguntar: "caipirinha de quê?" "Caipirinha é caipirinha", brinca, referindo-se às versões que vão da pinga ao saquê, com as mais variadas frutas. Também gosta de martini. Só não é fã de cerveja, porque não gosta do cheiro. Quando tem uns dias de folga para viajar, escolhe uma vinícola. "É o que realmente gosto. Esta sou eu." Aos fãs e ouvintes, avisa que está colocando em prática o projeto de um livro que vai dar o que falar.

Tem uma coisa que muito incomoda a mulherada que aprecia vinho: a lenda de que existe vinho para mulher, os vulgos "adamados" (para damas). Estes costumam ser mais leves e mais doces. Só que qualquer pessoa que aprende a beber vinho acaba acostumando o paladar para versões mais encorpadas. "Quando servem um vinho de sobremesa, todo mundo gosta, inclusive os homens", diz Alexandra, lembrando que a ala masculina também é chegada em Lambrusco. Talvez as mulheres não tenham problema em assumir que preferem os mais doces. E só.

Confraria. Dona da bela loja de vinhos Le Tire-Bouchon, Nina Bastos aposentou-se da vida de economista e de produtora de eventos em 2005, e logo tornou-se sócia de seu marido, o francês Jean Raquin. Moradora da região de Higienópolis, em São Paulo, há 30 anos, Nina e Jean tiveram amor à primeira vista por um antigo galpão, onde montaram a loja com a qual sempre sonharam. Nos 400 metros quadrados do espaço, há salão de vendas, sala de aula, taberna, um bistrô e jardim interno.

A ideia da confraria nasceu da observação dela. É que Nina sempre se deparava com mulheres que pediam ajuda para comprar um vinho. A justificativa que ouvia era a de que quem entende do assunto é o marido. "Comecei a achar que mulher também tinha de entender." Em agosto de 2009, aconteceu o primeiro encontro. Desde então, a mulherada se reúne uma vez por mês. E nunca faltou quórum, muito pelo contrário, o número dobrou, embora só entrem pessoas indicadas. O legal é que cada uma tem uma atividade diferente.

Elas organizaram-se e criaram regras. A cada encontro, há uma anfitriã. E a cada semestre, são definidas as uvas do mês. As degustações são às cegas. Quem escolhe os vinhos busca bibliografia da uva e a ficha técnica do produto. "Agora queremos lançar um blog e fazer uma viagem para uma região produtora", conta Nina.

Engana-se quem pensa que só tem entendidas no assunto. Do grupo, só quatro têm mais bagagem. Mas as amantes do vinho que não tinham conhecimento teórico foram aprendendo aos poucos. Nina fez seu primeiro curso - sobre queijos e vinhos - em 1984, no antigo Hotel Eldorado. Porém, confessa que, há cerca de oito anos, é que passou a se aplicar mais. "Estudo muito, faço cursos e também viajo. Mas ainda tenho uma longa estrada."

Até o perfil da clientela mudou. Hoje, são as mulheres que provam o vinho no seu bistrô, pois muitas são mais entendidas do assunto do que seus pares. "É um tema com muita cultura, história, geografia e química. E ainda agrega as pessoas. Afinal, ninguém toma vinho sozinho", comemora Nina.

Berço. Quando criança, Luciana Salton, de 28 anos, trocava as viagens durante as férias escolares pelo trabalho na loja do pai, Ângelo Salton Neto, o presidente da Vinícola Salton, que faleceu em fevereiro do ano passado. Ela tinha 15 anos e já gostava do contato com os clientes. Mas só começou a apreciar a bebida aos 22.

Formou-se em Administração, mas também tinha vontade de fazer Medicina ou Arquitetura. Hoje, tem a certeza de que a escolha foi certeira. Embora seja Salton, não começou a trabalhar na empresa do pai. Aos 17, conseguiu um emprego em um banco, onde passou um ano trabalhando como caixa. Aproveitou as férias para estudar espanhol fora e, quando voltou, já tinha emprego na área de marketing de uma indústria farmacêutica, onde passou quatro anos. Só então se sentiu preparada para entrar na empresa da família.

"Lembro das experiências anteriores com carinho e orgulho, pois me ajudaram a crescer. Quando vim para cá, estava mais preparada profissionalmente e pessoalmente também. Além disso, trouxe segurança para o meu pai", diz a simpática herdeira.

Hoje, é gerente de marketing e também dá seus pitacos no departamento comercial. "Fazemos tudo com muito amor e carinho. Essa é a diferença." Luciana acorda às 6 da manhã, mas para ir à academia. Tem seus motivos. "Como participamos de eventos à noite, acordo cedo para queimar calorias e extravasar sem culpa depois."

Postado por www.estadao.com.br

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