sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Difícil é não beber

A simples menção ao francês Château Mouton Rothschild, um dos mais celebrados vinhos de Bordeaux, é capaz de fazer qualquer enófilo começar a salivar. Considerado um dos melhores vinhos do planeta, o Mouton Rothschild é produzido em escala reduzidíssima - são apenas 200 000 garrafas por ano. Desde 1945, seus rótulos são assinados a cada ano por um artista diferente.
Da lista fazem parte nomes como Salvador Dalí, Pablo Picasso e Andy Warhol. Para alguns apreciadores da bebida, porém, o Mouton Rothschild é mais que uma lenda - ele é uma máquina de fazer dinheiro. Uma garrafa da safra de 1998, por exemplo, saía por 228 dólares em 2005. Passados cinco anos não é possível encontrar um exemplar por menos de 700 dólares, um aumento de 205% (a expectativa é que a cifra continue aumentando). Foi com base na possibilidade de valorização de vinhos excepcionais como esse que em 2000 os ingleses Justin Gibbs e James Miles criaram a Liv-Ex, a primeira bolsa de vinhos de qualidade do mundo, um mercado que movimenta quase 100 milhões de dólares por ano. Desde então, a rentabilidade desse índice tem sido superior à da Nasdaq, à da Dow Jones e até mesmo à do petróleo. Na cola da Liv-Ex, diversos investidores começaram a montar fundos para tentar lucrar com a compra e venda da bebida - o primeiro desses fundos será lançado até o final do ano, resultado de uma parceria da importadora Wine Stock com a gestora de recursos Cultinvest Asset Management. A lógica que faz disparar os preços é simples. Poucas vinícolas são capazes de produzir os chamados vinhos IGW (com grau de investimento, na sigla em inglês). Assim como o Mouton Rothschild, a grande maioria desses vinhos vem da região de Bordeaux, de produtores prestigiados, como Lafite e Margaux - todos eles com fabricação supercontrolada. "É a lei da oferta e da procura em estado puro. O estoque mundial é limitado e decrescente, e a chegada de consumidores asiáticos e russos tem feito a procura aumentar ex ponencialmente", diz o inglês Mahesh Kumar, autor do livro Wine Investment for Portfolio Diversification ("Investimento em vinho para diversificação de portfólio", numa tradução livre). No livro, Kumar analisou a evolução nos preços de um portfólio de vinhos IGW de 1975 a 2005. O investimento rendeu mais de 15% ao ano, melhor do que todos os outros estudados - bolsas de Nova York e de Londres, ouro, petróleo, commodities e títulos de dívidas de vários países.
Mais importante, o comportamento do mercado da bebida se mostrou descolado do restante da economia, o que torna o negócio ainda mais atrativo. Na crise de 2008, por exemplo, os vinhos estiveram entre os investimentos menos afetados. "Eles caíram menos do que outros índices e foram os primeiros a voltar ao patamar anterior", diz Michael Wiegler, diretor do fundo americano Bacchus Partners, que manteve uma rentabilidade média de 36% nos dois últimos anos. "Quem segurou sua adega não perdeu um tostão".

A turbulência, porém, expôs de forma bastante clara o maior problema desse nicho. Diferentemente de uma bolsa de valores, em que dois cliques no mouse são suficientes para definir operações de compra e venda de papéis, os vinhos costumam ser comercializados em leilões de casas especializadas. Ou seja, não apenas há data e hora para que as transações aconteçam como também é preciso achar compradores específicos para os rótulos à venda. No caso de vinhos mais "populares", como os recomendados pelo crítico americano Robert Parker, o mercado é sempre receptivo - mas a tarefa pode ser particularmente penosa para os fundos que trabalham com produtores menos conhecidos. "Liquidez é o grande problema desse mercado", diz Andrew Davison, administrador do fundo inglês Vintage Fund, um dos maiores do mundo. "Se você precisar se desfazer de grandes volumes, causará um grande impacto no preço do produto."

Embora tenha ganhado corpo nos últimos tempos, o acompanhamento da evolução no preço dos vinhos vem de longe. Começou no final do século 19, na Inglaterra. O mais comum era que colecionadores comprassem os vinhos en primeur, isto é, ainda maturando no barril, como uma espécie de contrato futuro. Quando ele finalmente fosse engarrafado, dois anos depois, seu preço já teria subido até 200% se a safra mostrasse qualidade. Assim, metade da venda do investimento seria suficiente para pagar o consumo do restante - e ainda renderia algum ganho. Essa é a estratégia adotada até hoje pelo paulista Luiz Wever, sócio da operação brasileira da firma de headhunter americana Odger Berndtson. Para manter sua adega com capacidade para 600 garrafas sempre abastecida (ele já teve mais de 100 Château Latour), Wever costuma firmar esses contratos futuros - e pretende investir no primeiro fundo brasileiro. "Com esse sistema, as quase 200 garrafas que consumo por ano acabam saindo quase de graça", diz. Mesmo que o investimento dê errado e o preço do vinho caia, o pior que a pessoa pode fazer é abrir a garrafa e beber o prejuízo.
Felipe Carneiro, de EXAME

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